Arte

A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo.
Maiakóvski

domingo, 15 de março de 2009

ARIANE (Miguel Torga)

Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades…
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades…

Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.

Lisboa, Cadeia do Aljube, 1 de Janeiro de 1940

Escrita em tempos de dor

“Nos períodos difíceis de minha vida, rabiscar frases – ainda que nunca venham a ser lidas por ninguém – traz o mesmo reconforto que a prece para quem tem fé: através da linguagem ultrapasso meu caso particular, comungo com toda a humanidade.
Toda dor dilacera; mas o que a torna intolerável é que quem a sente tem a impressão de estar separado do resto do mundo; partilhada, ela ao menos deixa de ser um exílio. Não é por deleite, exibicionismo, por provocação que muitas vezes os escritores relatam experiências terríveis e desoladoras: por intermédio das palavras, eles as universalizam e permitem que os leitores conheçam, em seus sofrimentos individuais, os consolos da fraternidade. Em minha opinião, essa é uma das funções essenciais da literatura, e o que a torna insubstituível: superar a solidão que é comum a todos nós e que, no entanto, faz com que nos tornemos estranhos uns aos outros. “(Simone de Beauvoir citada por Mirian Goldenberg em "Infiel" - Ed. Record)

SÓ (Ariane Sales)

Não tenho tribo
Sou de ninguém
Atravesso um deserto
E chego ao mar
Mas não há porto
Não há navio
A me esperar.

Não tenho teto
Nem de papel
Pra aquecer a noite
Não tenho amor
E do que procuro
Só vejo o escuro
Em dias de dor.

HOJE ESTOU TRISTE (J. G. de Araújo Jorge)

Amor... Hoje estou triste... Nesses dias
a vida de repente se reduz
a um punhado de inúteis fantasias...
... Sou uma procissão só de homens nus...

Olho as mãos, minhas pobres mãos vazias
sem esperas, sem dádivas, sem luz,
que hão semear vagas melancolias
que ninguém vai colher, mas que compus...

Amor, estou cansado, e amargo, e só...
Estou triste mais triste e pobre do que Jó,
- por que tentar um gesto? E para quê?

Dê-me, por Deus, um trago de esperança...
Fale-me, como se fala a uma criança
do amor, do mar, das aves... de você!